Não raras vezes, nos processos nacionalidade dos filhos ou netos de cidadão protuguês, os requerentes são surpreendidos com pedidos de prova suplementar ou mesmo recusa do seu pedido de nacionalidade, com fundamento na falta de “estabelecimento da filiação”.
Sucede que a atribuição da nacionalidade depende de outras de questões previas, entre elas, a verificação do estabelecimento da filiação, isto é, a determinação jurídica da relação entre pais e filho, que normalmente ocorre com o registo do nascimento mas pode ocorrer posteriormente com o reconhecimento de paternidade ou maternidade, casamento dos progenitores com reconhecimento, etc.
É um conceito que quase todos estranham, porque partem do princípio que ao serem no seu país de origem considerados filhos de A ou B, isto será válido também nos outros países.
Qual a lei que prevalece?
A corrente maioritária tem defendido que sendo a a nacionalidade o “vínculo jurídico que liga um individuo a um estado” devem ser as normas do próprio Estado que está a conceder a nacionalidade a aplicar-se, em vez das normas do país de residência ou origem do requerente.
Assim mesmo apontou Ferrer Correia “Se assim não procedesse, deixaria de ser verdadeiro, (ou postergar-se-ia) o princípio segundo o qual é ao Estado que compete a definição dos pressupostos da atribuição e da perda da sua própria cidadania”
Já a anterior legislação, a Lei n.º 2098, na sua Base VI, determinava que ”Só a filiação estabelecida de conformidade com a lei portuguesa produz efeitos relativamente à atribuição da nacionalidade” e a atual Lei da Nacionalidade embora não mencione expressamente, continuou o mesmo princípio, sendo certo que a lei portuguesa deve respeitar as diretivas da União Europeia e de Direito Internacional e resulta desses que em matéria de estatuto pessoal deve ser aplicada a lei da nacionalidade (a adquirir) e não a lei da residência.
Quando é considerado o Registo?
Quanto ao momento da conexão, regra geral é tida em conta a data do nascimento para aferir a lei aplicável, por isso importa aferir se a filiação materna ou paterna, relativamente ao progenitor português, foi estabelecida de acordo com a lei em vigor em Portugal ao tempo do nascimento.
Finalmente, havia uma previsão no no Código de Seabra, e que continuou na atual Lei da Nacionalidade de 1981 que determinava que só será aceite a filiação estabelecida na menoridade do requerente – o art.º 14.º da Lei da Nacionalidade, que entretanto se alterou.
O problema da filiação na menoridade
Embora hoje em dia não seja tão comum, ainda há muitos requerentes que hoje tentam a nacionalidade mas que só foram registados na maioridade e por isso é recusada.
Também há os que tendo sido registados enquanto menores só foram reconhecidos pelo progenitor português já maiores de idade.
Há ainda os cidadãos que não foram registados pelo progenitor português, mas que foram pelo outro progenitor ou terceiro, mesmo que notário ou médico, e os pais não eram casados.
O que é que estes três casos têm em comum?
Em todos estes casos e apesar de no país de origem ser inequívoca a maternidade e a paternidade, para o Estado Português a filiação não se encontra estabelecida para efeitos de nacionalidade.
Mas há assim tantos casos?
Muitíssimos! Parece uma realidade distante mas é muito comum.
De facto, sobretudo em países como os Estados Unidos, em que normalmente era o médico ou o notário a proceder ao registo, muito descendentes de protuguês estavam impedidos de obter a nacionalidade se os país não fossem casados.
Por outro lado, em países como o Brasil ou Canadá, com grandes parcelas rurais e distantes dos grandes centros, muitos não foram registados na menoridade e ficaram excluídos desta possibilidade.
Na realidade, pelo simples facto de os pais não serem casados ou por não saberem escrever na época e a criança não ser registada pelo progenitor português tem determinado a exclusão do direito à nacionalidade.
Conseguimos perceber o sentimento de revolta e injustiça que sentem tantos lusodescendentes, que no país em que nasceram é certa e registada a maternidade e paternidade mas vem depois Portugal dizer-lhes que não, que não os considera filhos de um português.
O que mudou em 2024 na Lei da Nacionalidade?
Durante a discussão das últimas alterações à Lei da Nacionalidade, mesmo na legislatura anterior, foi debatida a possibilidade de revogação do artigo 14.º da Lei da Naconalidade.
A revogação total do artigo não foi aprovada, mas o regime acabou por ser ampliado, por forma a permitir que a filiação estabelecida na maioridade também possa produzir efeitos relativamente à nacionalidade originária, quando se esteja numa das seguintes situações:
- o estabelecimento da filiação ocorra na sequência de processo judicial ou
- o estabelecimento da filiação seja objeto de reconhecimento em ação judicial
Quando a filiação seja estabelecida através de ação judicial, a nacionalidade originária pode ser requerida nos três anos seguintes ao trânsito em julgado da decisão.
Regime excecional e temporário mais benéfico
A maior abertura que este novo regime tem é o regime excecional temporário de três anos que vai permitir regularizar, em teoria, quase todas as situações.
Com efeito, para todos os casos em que a filiação foi estabelecida antes da entrada em vigor da nova lei, contam com um prazo de três anos para poder regularizar o estabelecimento da filiação, por exemplo conseguindo um reconhecimento judicial.
Na pratica, todos os que conseguirem um reconhecimento judicial no país de origem da filiação estabelecida, mesmo que na maioridade, podem depois rever a sentença para ser válida em Portugal e solicitar a atribuição da nacionalidade portuguesa no decurso dos próximos três anos.
A alteração ainda carece de regulamentação e aguardamos alguns esclarecimentos de ordem prática e processual, mas é conveniente começar já a preparar os processos uma vez que o prazo de três anos não é assim tão extenso e que coordenar burocracias e processos adminstrativos e judiciais em dois países pode demorar.
Se está numa destas situações não hesite em relatar a sua situação para que o possamos aconselhar. Contacte-nos aqui.