Desde setembro de 2018 que a lei prevê que ambos os nubentes possam, previamente à celebração do casamento, renunciar reciprocamente à condição de herdeiro legitimário do outro.
Para que tal ocorra é necessário que na convenção antenupcial ambos os nubentes (porque a renúncia não pode ser unilateral) procedam a essa mesma renúncia, nos termos da alínea c) do artigo 1700º do Código Civil.
Essa renúncia poderá ficar sujeita a condição, como a de existirem ou não herdeiros de certa classe na data do óbito (v.g. descendentes, ascendentes, irmãos e descendentes) e ela não prejudica o direito do cônjuge sobrevivo aos subsídios por morte ou a receber alimentos dos bens da herança do cônjuge falecido. Nos casos em que o domicílio conjugal fosse propriedade deste último, pode o outro cônjuge permanecer no mesmo pelo menos pelo período de cinco anos, podendo excecionalmente ser prorrogado pelo tribunal. Se na data do óbito o cônjuge sobrevivo tiver 65 ou mais anos de idade, o direito a permanecer na habitação é vitalício. Não sendo esse o caso, findo o período de 5 anos (ou duma renovação excecional entretanto decretada judicialmente), o cônjuge poderá ainda assim permanecer na antiga casa de morada de família como arrendatário, embora já sujeito às condições do mercado.
A lei reserva a possibilidade de renúncia recíproca aos casos em que os nubentes escolham o regime da separação de bens como o aplicável ao futuro casamento e àqueles em que este seja o regime imperativo, o que sucederá sempre que casamento seja celebrado sem precedência do processo preliminar de casamento ou o seja por quem tenha completado sessenta anos de idade à data do casamento.
É de notar, contudo, que apesar de haver a renúncia à condição de herdeiro legitimário do cônjuge, a lei tempera esses efeitos com a admissibilidade de liberalidades entre os cônjuges renunciantes desde que o valor das mesmas não exceda a parte a que cada um deles teria direito da herança do outro caso não tivesse existido renúncia. Efetivamente, dispõe agora o nº 2 do artigo 2168º do Código Civil que não são inoficiosas as liberalidades a favor do cônjuge sobrevivo que tenha renunciado à herança nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 1700.º, até à parte da herança correspondente à legítima do cônjuge caso a renúncia não existisse. Dito de outro modo, está apenas em causa a renúncia à condição de herdeiro legitimário do cônjuge, mantendo o direito a fazer e a receber liberalidades, em vida (ressalvadas as situações de regime imperativo da separação de bens, em que se não admitem doações entre cônjuges) ou por morte do outro, sem que as mesmas sejam necessariamente consideradas, por si só, inadmissíveis ou ofensivas da denominada “legítima” dos herdeiros legitimários, ou seja, da parte da herança que lhes está legalmente reservada.
Por outro lado, o regime da renúncia em análise só se aplica à herança legitimaria, logo, nada obsta designadamente a que por testamento se institua o cônjuge herdeiro da quota disponível ou, não havendo testamento, a que o cônjuge sobrevivo lhe suceda enquanto herdeiro legítimo nos termos do artigo 2131º e seguintes do Código Civil.
A posição de sucessível do cônjuge saiu reforçada com a Reforma ao Código Civil de 1977, tendo ele adquirido a natureza de herdeiro legitimário e passando a ocupar as 2 primeiras classes de sucessíveis legítimos a par dos descendentes e ascendentes. Desde então passou a suceder imperativamente ao cônjuge, exceto nos casos de indignidade ou deserdação. A alteração legislativa operada em 2018 veio alterar esse paradigma, mas fê-lo com o propósito de atender àqueles casos cada vez mais frequentes, dado sobretudo o aumento da esperança média de vida da comunidade, em que duas pessoas pretendem contrair casamento quando já têm filhos de anteriores relações mas sem que o cônjuge, ao adquirir diretamente o estatuto de herdeiro legitimário por via do casamento, venha a abalar as expectativas e interesses dos descendentes do outro. Neste sentido, a alteração legislativa de 2018, operada pela Lei nº 48/2018 de 14 de agosto, veio efetivamente aprofundar o âmbito do direito constitucional de contrair casamento e de constituir (nova) família em condições de plena igualdade.